cela me rassure d'avoir la confirmation qu'il est des choses qui demeurent intactes * philippe besson

one of the secrets of a happy life is continuous small treats * iris murdoch

it's a relief sometimes to be able to talk without having to explain oneself, isn't it? * isobel crawley * downtown abbey

carpe diem. seize the day, boys. make your lives extraordinary * dead poets society

a luz que toca lisboa é uma luz que faz acender qualquer coisa dentro de nos * mia couto





31.1.25

O patinho

 
31 de janeiro. Fim do mês. O Carrocel está cheio, decerto para celebrar o único mês do ano que dura uma eternidade e que finalmente acabou. Curioso é que, tendo o mesmo número de dias do que Agosto, não tem a mesma duração. 'A matemática serve para tudo', dizia o meu pai.
Hoje há pato no forno com batatas às rodelas. Nunca fui de pato até ir viver para França e experimentar o confit de canard, especialidade do Sudoeste, que se tornou o meu prato preferido. Depois disso, tornei -me capaz de abrir portas ao arroz de pato (mas nunca ao pato com arroz) e, hoje, dei uma abébia ao pato no forno. Foi a melhor decisão que tomei em janeiro. Pelo andar da carruagem, provavelmente é a melhor decisão que terei tomado em 2025. Há lá patinho melhor que o do Carrocel. Até mel traz no molho. Almoço satisfeita a cantar para dentro 'Bô tem mel'. Olho para as outras mesas cheias de patos também. Cadáveres. Carcaças com as quais nos deliciamos. Que horror, já estraguei isto tudo.
A maior parte dos clientes são senhores. Aqui há pessoas de todos os horizontes sociais e o Carrocel não faz caso disso. Todos são atendidos e servidos com a mesma gentileza. À minha frente, uma rapariga come uma sopa e prossegue com um grelhado acompanhado de salada. Devia seguir -lhe os passos . Ao fundo toca um telefone, o volume está no máximo e o seu proprietário olha muito enfadado para o ecrã, sem atender, enquanto o restaurante todo leva com o som estridente. Comemos e calamos ao som de 'Quando o telefone toca, boa tarde!' A minha avó está sempre comigo, nestas ruas, até os programas de rádio que ouvíamos juntas são chamadas para o caso do patinho. O Carrocel enche. Enquanto escrevo estas linhas deixo esfriar a italiana e penso que tenho de me levantar porque ainda tenho de ir a pé até ao trabalho, sem esquecer de passar no café grego para tirar uma fotografia para a minha filha. Convenci-a a não ir a Disney e a escolhermos outro destino. Assim que proferi estas palavras, a pequena criatura subiu à mesa da cozinha para ver melhor o mapa do mundo e decretou que íamos para a Grécia ou para Malta. Eu que escolhesse.
Olho para este texto e pergunto-me para que serve escrever sobre isto. Para nada.
Passo os pensamentos para o papel e assim organizo as emoções, como diz a outra. 
Bem preciso de tratar desta incontinência. Que pieguice, xiça. 

Espalhar-se ao comprido


Aprontava-me para dizer mal da pessoa que tinha passado a hora do almoço a gritar no restaurante e que, contente, me agarrou no braço para fazer graça disso, como se as pessoas não tivessem mais em que reparar. Aguardava, maléfica, que a minha amiga saísse para fora para lançar fel. Sucede que o universo conspirava e não era a meu favor, contra tudo o que se diz do meu signo para este ano.
Foi um passo em falso. Não foi a pedra no sapato, foi o sapato na pedra, foi o cair na tentação, foi espalhar-me ao comprido. Naqueles segundos que parecem os 8 minutos à espera do metro em hora de ponta, uma pessoa quase que tem tempo de pensar na vida e até escolher a banda sonora. Na maldade que ia fazer, no pormenor com que o pé pousou na pedra e porque é que o calhau estava ali e como é que não viu, como é que não conseguiu reequilibrar-se e por que razão não havia ali nada ao lado que tivesse aparado os seus 76 kg. Ouço a voz da minha avó: cuidado, filha, que ainda dás uma queda. Não se esquecem as vozes dos mortos, nem os conselhos sábios.
Levantei-me, a minha amiga perguntou se eu estava bem, duas pessoas que passavam nesse momento chutaram a pedra para longe. Verifiquei que as minhas calças novas não tinham buracos nos joelhos e que nem as mãos estavam esfoladas. O meu peso caíra sobre a minha mão direita sem parti-la. Estava incrédula. Quando me recompus, para aligeirar o episodio, a minha amiga disse-me que tinha caído graciosamente. O tanas! Subimos a Rua da Esperança a conversar rapidamente sobre a vergonha que uma queda pode causar. Pus-me a pensar nisso. No curso da vida toda a gente cai, umas vezes com graça outras nem por isso, mas cair é um descontrolo, uma distração, uma desobediência do corpo. Excluindo a patinagem artística, não há beleza nas quedas inesperadas. Uma perna para o lado, o rabo para o outro, os óculos para o meio da estrada, a mala virada ao contrário, a roupa esburacada e toda a gente parada ao lado, em pausa do telecomando, uns a ver se a pessoa se magoou, outros a rirem-se outros a ajudar. Caí atrás de um carro, com discrição, mas na verdade pareceu-me estava a ser levada por uma onda na zona de rebentação. 
Continuámos a subir, a fumar e a dar continuidade aos assuntos que tinham estado em cima da mesa, juntamente com o borrego e com as gambas. Despedimo-nos à pressa porque eu tinha de ir abrir a biblioteca e porque também tinha um encontro marcado com Einstein e com Brett Anderson.

PS nesta fotografia de 2020 pesava menos 20 kg e foi a última vez que me espalhei, antes desta que contei. Ia a correr para o barco com a minha filha nos braços, atirei -me com o cotovelo para o chão, para ela não bater com a cabeça e encontrei-me no hospital dos Lusíadas a levar pontos. Pela lógica lá para 2030 escrevo outra vez sobre este tema

Neste projecto 'colectivo' como se gosta muito de dizer agora, está também 

a Carla do Kaputt 2.0 
a Maria João Caetano, do A Gata Christie
a Mariana Leite Braga, do Gralha Dixit 
 
e mantenho o suspense sobre quem ainda aí vem! 

30.1.25

Voltei voltei, voltei de lá, 'inda' agora estava em França e agora já estou cá



Epá... é tudo...!
É o Facebook que não interessa ao menino Jesus, que só apresenta sugestões que me fazem pôr em causa a leitura dos meus interesses. É o Instagram que deixou de mostrar as páginas que sigo que me interessam, e eu depois também não me lembro de ir procurar. É o threads que caiu de para-quedas no meio disto tudo e cuja função, para mim, permanece um mistério. São os outros atrasados todos do X , e mais o telegram e o diabo a 4. Enfim, quando havia blogues o mundo parecia ser mais sereno. Em vez das pessoas cultivarem o ódio, cultivavam a possibilidade de se encontrarem para falar das coisas bonitas que se viam e escreviam nas páginas. 

Foi nessa circunstância que conheci mademoiselle, senhora da página 'Apanhada na curva' e 'Kaput 2.0'. Simpatizámos há uns 12 ou 13 anos atrás, encontrámo-nos em Paris, em Lisboa, marcávamos cafés de vez em quando, almoços quando ela não se esquecia de mim e... 
estou certa de que foram as gambas! Um estudo diz que quem come mais gambas tem mais probabilidades de dar à luz um blogue coletivo. Falámos sobre escrever, 'Devias escrever!" "Não! Tu é que devias! Então bute lá escrever as duas. Por sorte, digo bem, por sorte, depois das gambas espalhei-me na rua e disse que o primeiro texto teria por tema espalhar-se ao comprido. Assim foi, fizemos os deveres. Como diz a Calita, mademoiselle reuniu as tropas e aqui estamos nós a voltar aos blogues e a escrever sobre temas. 
A partir de amanhã, várias mulheres de várias geografias interiores e exteriores estarão a pensar e a escrever sobre esse tema! Outros virão em breve.
Não posso contar tudo agora. Mas trago novidades amanhã. 
Vão passando aqui. Vamos ressuscitar os blogues.

26.3.20

há sempre alguém


se os tempos fossem outros daqui a pouco ia à drogaria comprar cola.
sou cliente do meu bairro. gosto do comércio tradicional, gosto da proximidade geográfica e humana e sei que se não abrirmos a carteira a estas lojas elas acabarão por desaparecer. na maioria das vezes, o atendimento e o serviço são melhores e nem sempre as coisas são mais caras. houve sempre alguém que pode vir trazer as compras a casa, fora do tempo do covid. há sempre alguém que atende o telefone e pode vir arranjar o frigorífico ao sábado à tarde. há sempre alguém que te explica como se limpa uma cadeira antiga, estofo e madeira. há sempre alguém que te diz quais os ganchos mais adequados para pregar, em paredes que se desfazem, as tuas molduras do século passado. há sempre alguém que te lembra que os teus bolos preferidos chegaram. há sempre alguém com uma máquina que corta o pão de mafra em fatias mais finas. há sempre alguém que te diz tem cuidado (ah!) adoro isto, as pequenas atenções do quotidiano que nenhuma loja de  centro comercial tem. a verdade é que há sempre alguém do outro lado que sabe conversar e que não debita um discurso aprendido. 
quando tudo passar e ficarmos bem, como se diz agora,  vou lembrar-me disto sempre. não quero viver num lugar-fantasma. no que depender de mim, o comércio do meu bairro não desaparecerá

20.2.20

écrivons-nous


deixou de haver postais bonitos nos expositores de rua. acho que por isso, mas também por termos acompanhado os tempos, por vivermos uma época em que tudo tem de ser muito rápido e rentabilizado e por termos uma consciência ecologica maior, entre outras razões, deixamos de escrever e enviar postais.

estes são um lindo presente da ilustradora francesa valérie linder, com quem tenho o enorme prazer em estar a trabalhar esta semana.

hoje, ela vai estar a conversar comigo e com a anne lima, das edições chandeigne, sobre lisbonne balades dessinées, um livro com desenhos de lisboa feitos com aguarelas e lápis de cor.

estes postais vão voar porque não quero que o encanto das pequenas coisas desapareça dos meus dias porque é bom partilhar coisas bonitas e porque estou farta de achar que as caixas de correio são lindas por fora e uma desolação por dentro.

17.2.20

na muda acontece


antes de sair de casa tirei esta fotografia pensando que quando voltasse talvez já nada fosse igual. regressei de noite e encontrei tudo no mesmo sítio. e embora goste da serenidade que há no facto de algumas coisas poderem manter-se intactas dei voltas à cabeça e pensei que é tempo de mudança. sem slogans políticos.