cela me rassure d'avoir la confirmation qu'il est des choses qui demeurent intactes * philippe besson

one of the secrets of a happy life is continuous small treats * iris murdoch

it's a relief sometimes to be able to talk without having to explain oneself, isn't it? * isobel crawley * downtown abbey

carpe diem. seize the day, boys. make your lives extraordinary * dead poets society

a luz que toca lisboa é uma luz que faz acender qualquer coisa dentro de nos * mia couto





2.7.25

Não bebo cerveja

 


Hoje venho aqui de falar da cerveja que não bebo.

A cerveja enche-me, incha-me, ao fim de dois canecos entro num processo diurético aborrecido e nada agradável.

Bebo cerveja de vez em quando, se como caracóis ou se quero acompanhar alguém. Em geral prefiro o vinho verde e branco, no verão e o tinto, no inverno.

Se há meses em que o dinheiro não me chega e saio à noite, passo rapidamente à cerveja. Mas cada vez saio menos e por isso poupo dinheiro para as bebidas brancas e amargas

Quando eu era pequena, o meu pai, às vezes levava-me com ele ao café. Pedia uma italiana e ficava ali a fazer as palavras cruzadas. Eu queria ir com ele, mas não tinha nada com que me ocupar. De maneira que fazíamos companhia um ao outro, enquanto eu comia um gelado. De vez em quando, ele perguntava se eu tinha ideia de uma palavra que lhe faltava. Claro que não tinha. Sabia lá eu de contrações de proposições e afins. Depois ele fingia que descobria, embora já a soubesse de início, para me ensinar como é que aquilo funcionava. 

Sentada na cadeira de um café do bairro, com os pés no assento, fazia bigodes com o Corneto de nata ou perguntava ao meu pai se tinha a língua vermelha do Calipo e deixava-me ficar encostada no nosso silêncio confortável, a olhar para quem passava. Depois o meu pai pedia uma imperial, às vezes duas. Sacava do cigarro, puxava o fumo e soprava-o para fora, com a cabeça de lado, dando de seguida dois toques com o polegar, ao de leve, no filtro para fazer cair a cinza. Quando nos cansávamos íamos embora, descíamos a Inácio de Sousa para voltar a casa. 

Numa dessas tardes, caminhávamos serenamente e alguém atirou qualquer coisa que nos caiu aos pés. Eu enervei-me. Sempre fui frágil dos nervos. Olhei para cima e vi um puto a esconder-se. Em ebulição gritei para o telhado 'seu cabrão' e automaticamente o meu pai repreendeu-me chamando-me pelos dois nomes com três pontos de exclamação: Joana Filipa!!! Eu fixava o terraço do último andar para ver quem era o cobarde e poder dizer-lhe na cara, se um dia me cruzasse com ele, o que pensava.

O meu pai deu dois passos em frente, vi-lhe as costas tremerem e percebi que ele não conseguia conter as gargalhadas.

E lá fomos, de mãos dadas, sem moralismos e honrando o nosso apelido 

Sem comentários: