Aprontava-me para dizer mal da pessoa que tinha passado a hora do almoço a gritar no restaurante e que, contente, me agarrou no braço para fazer graça disso, como se as pessoas não tivessem mais em que reparar. Aguardava, maléfica, que a minha amiga saísse para fora para lançar fel. Sucede que o universo conspirava e não era a meu favor, contra tudo o que se diz do meu signo para este ano.
Foi um passo em falso. Não foi a pedra no sapato, foi o sapato na pedra, foi o cair na tentação, foi espalhar-me ao comprido. Naqueles segundos que parecem os 8 minutos à espera do metro em hora de ponta, uma pessoa quase que tem tempo de pensar na vida e até escolher a banda sonora. Na maldade que ia fazer, no pormenor com que o pé pousou na pedra e porque é que o calhau estava ali e como é que não viu, como é que não conseguiu reequilibrar-se e por que razão não havia ali nada ao lado que tivesse aparado os seus 76 kg. Ouço a voz da minha avó: cuidado, filha, que ainda dás uma queda. Não se esquecem as vozes dos mortos, nem os conselhos sábios.
Levantei-me, a minha amiga perguntou se eu estava bem, duas pessoas que passavam nesse momento chutaram a pedra para longe. Verifiquei que as minhas calças novas não tinham buracos nos joelhos e que nem as mãos estavam esfoladas. O meu peso caíra sobre a minha mão direita sem parti-la. Estava incrédula. Quando me recompus, para aligeirar o episodio, a minha amiga disse-me que tinha caído graciosamente. O tanas! Subimos a Rua da Esperança a conversar rapidamente sobre a vergonha que uma queda pode causar. Pus-me a pensar nisso. No curso da vida toda a gente cai, umas vezes com graça outras nem por isso, mas cair é um descontrolo, uma distração, uma desobediência do corpo. Excluindo a patinagem artística, não há beleza nas quedas inesperadas. Uma perna para o lado, o rabo para o outro, os óculos para o meio da estrada, a mala virada ao contrário, a roupa esburacada e toda a gente parada ao lado, em pausa do telecomando, uns a ver se a pessoa se magoou, outros a rirem-se outros a ajudar. Caí atrás de um carro, com discrição, mas na verdade pareceu-me estava a ser levada por uma onda na zona de rebentação.
Continuámos a subir, a fumar e a dar continuidade aos assuntos que tinham estado em cima da mesa, juntamente com o borrego e com as gambas. Despedimo-nos à pressa porque eu tinha de ir abrir a biblioteca e porque também tinha um encontro marcado com Einstein e com Brett Anderson.
PS nesta fotografia de 2020 pesava menos 20 kg e foi a última vez que me espalhei, antes desta que contei. Ia a correr para o barco com a minha filha nos braços, atirei -me com o cotovelo para o chão, para ela não bater com a cabeça e encontrei-me no hospital dos Lusíadas a levar pontos. Pela lógica lá para 2030 escrevo outra vez sobre este tema
Neste projecto 'colectivo' como se gosta muito de dizer agora, está também
a Calita, do Panados com arroz de tomate
a Carla do Kaputt 2.0
a Maria João Caetano, do A Gata Christie,
a Mariana Leite Braga, do Gralha Dixit
e mantenho o suspense sobre quem ainda aí vem!
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