cela me rassure d'avoir la confirmation qu'il est des choses qui demeurent intactes * philippe besson

one of the secrets of a happy life is continuous small treats * iris murdoch

it's a relief sometimes to be able to talk without having to explain oneself, isn't it? * isobel crawley * downtown abbey

carpe diem. seize the day, boys. make your lives extraordinary * dead poets society

a luz que toca lisboa é uma luz que faz acender qualquer coisa dentro de nos * mia couto





5.7.25

Salvação

 

Sentada na esplanada do café mais português de Lisboa, penso naquilo que poderei dizer sobre o tema heroico desta semana quando ficamos de pernas para o ar e vêm-me à ideia duas coisas:

A minha varanda que nos poupou da loucura do confinamento, quando a COVID entrou nas nossas vidas em 2020 e

O amor salva 

 

Sou mesmo bimba!

 

Salvas pela campainha:

Boas intenções 

A gata Christie 

Panados com arroz de tomate 

Gralha Dixit 

A curva 

2.7.25

Não bebo cerveja

 


Hoje venho aqui de falar da cerveja que não bebo.

A cerveja enche-me, incha-me, ao fim de dois canecos entro num processo diurético aborrecido e nada agradável.

Bebo cerveja de vez em quando, se como caracóis ou se quero acompanhar alguém. Em geral prefiro o vinho verde e branco, no verão e o tinto, no inverno.

Se há meses em que o dinheiro não me chega e saio à noite, passo rapidamente à cerveja. Mas cada vez saio menos e por isso poupo dinheiro para as bebidas brancas e amargas

Quando eu era pequena, o meu pai, às vezes levava-me com ele ao café. Pedia uma italiana e ficava ali a fazer as palavras cruzadas. Eu queria ir com ele, mas não tinha nada com que me ocupar. De maneira que fazíamos companhia um ao outro, enquanto eu comia um gelado. De vez em quando, ele perguntava se eu tinha ideia de uma palavra que lhe faltava. Claro que não tinha. Sabia lá eu de contrações de proposições e afins. Depois ele fingia que descobria, embora já a soubesse de início, para me ensinar como é que aquilo funcionava. 

Sentada na cadeira de um café do bairro, com os pés no assento, fazia bigodes com o Corneto de nata ou perguntava ao meu pai se tinha a língua vermelha do Calipo e deixava-me ficar encostada no nosso silêncio confortável, a olhar para quem passava. Depois o meu pai pedia uma imperial, às vezes duas. Sacava do cigarro, puxava o fumo e soprava-o para fora, com a cabeça de lado, dando de seguida dois toques com o polegar, ao de leve, no filtro para fazer cair a cinza. Quando nos cansávamos íamos embora, descíamos a Inácio de Sousa para voltar a casa. 

Numa dessas tardes, caminhávamos serenamente e alguém atirou qualquer coisa que nos caiu aos pés. Eu enervei-me. Sempre fui frágil dos nervos. Olhei para cima e vi um puto a esconder-se. Em ebulição gritei para o telhado 'seu cabrão' e automaticamente o meu pai repreendeu-me chamando-me pelos dois nomes com três pontos de exclamação: Joana Filipa!!! Eu fixava o terraço do último andar para ver quem era o cobarde e poder dizer-lhe na cara, se um dia me cruzasse com ele, o que pensava.

O meu pai deu dois passos em frente, vi-lhe as costas tremerem e percebi que ele não conseguia conter as gargalhadas.

E lá fomos, de mãos dadas, sem moralismos e honrando o nosso apelido 

Não bebem cerveja

Gralha Dixit 

A gata Christie 

Panados com arroz de tomate 

20.6.25

Caramelo

Adoro caramelo. 

Em termos de iguarias é dos meus sabores preferidos nos gelados, sou maluquinha por caramelo de manteiga salgada que escolho, sempre que posso, nos crepes. 

Sempre gostei daqueles caramelos que se iam buscar a Badajoz, sob pretexto de se ir ao estrangeiro. Ainda hoje me pergunto, tantos rebuçados desses depois, como é que ainda tenho os dentes em cima das gengivas.

Houve uma época em que gostava de comprar caramelos numa pequena loja de cafés, que já não existe, na Rua Nova do Almada.

A minha relação com o caramelo é sensorial, afectiva.

Vi o filme Caramelo, de uma realizadora libanesa de que gostei. Achei graça chamar-se assim. O filme, que conta com cinco personagens femininas, passa-se essencialmente num salão de beleza. A cera quente lembra o caramelo. Do resto pouco mais me recordo.

Acho graça que digam que alguma coisa está em ponto de caramelo, para aproximar essa ideia da perfeição. 

Mais recentemente, apaixonei-me pelos Best Youth (que tocam hoje no Kalorama, se puderem não faltem. Há duas músicas que falam de caramelo e que me fizeram pensar que na nossa vida temos afeição por algumas palavras e que, por isso, as dizemos e empregamos muitas vezes: "I know what you can't resist, I put on a show and crave for your, caramel electric kiss", no tema Ace of pleasure e Kiss but don't tell. What's going on inside your head. I'll get to you. You're see-through. Playin' it tough underneath you're caramel. Oh Honeydew. So overdue, no Feelings.

Tirando estas historietas, hoje estava sentada numa esplanada a ler e apareceu-me um Caramelo a falar inglês comigo. Fiquei logo com electricidade nos cabelos. O que se segue pode parecer de mau tom para alguns. A vida não está fácil, tenho consciência e eu ajudo sempre que posso pessoas que vivem na rua. Ajudo primeiro as pessoas mais velhas, que têm menos possibilidades e forças. Mas hoje, na esplanada da Dom Carlos I, apareceram dois homens a pedir. O primeiro com humildade e o segundo com arrogância que, naturalmente, seria sinónimo de outra coisa. Dirigindo-se a mim em inglês, sendo ele português, perguntou com firmeza se não lhe arranjava 5€. Fiquei a pensar nisso: por que razão um pedinte estipula montantes. Por pensar que sou estrangeira e que o meu dinheiro conta menos do que para um português? O desespero? O chico-espertismo? A necessidade de comprar qualquer coisa com um valor certo, tipo um maço de tabaco?

O que quer que seja pensei no momento, talvez porque já andava a cirandar com o tema na cabeça: Olha-me este caramelo! 

Disse-lhe que falava português e que não podia ajudá-lo. Foi-se embora a ralhar comigo. Depois pus-me a pensar porque é que se pode chamar caramelo a um individuo. Ainda dei um salto à Infopédia para conhecer todas as declinações referenciadas relativamente a este vocábulo

Com tanto Caramelo acho que estou a precisar de meio litro de Caramulo 

Foi o post possível. Desculpem, isto não ficou nada de jeito, mas não quero perder o fio à meada

 

Outros pontos de Caramelo

 Gralha Dixit 

A gata Christie 

A curva 


14.6.25

Não somos iguais


Sinto uma bipolaridade nisto da inspiração para escrever. Não me acho uma pessoa opinativa, mas tenho picos de necessidade de ter coisas para dizer e picos de morte, se é que isto pode existir. Por vezes, não tenho nada a dizer sobre o tema sorteado e quando começo a escrever pareço um poço de riqueza onde colares, anéis, pulseiras e brincos dos mais preciosos materiais servem para ornamentar os textos. A maioria das vezes tudo o que escrevo só a mim diz respeito. São histórias minhas. Não sei inventar histórias. Sei ficcionar realidades, mas não inventar do zero. Quando gosto de personagens de livros, fico a pensar na mestria de se saber imaginá-las de A a  Z, de construí-la de lhes atribuir valores e depois de fazer com que todas as acções respeitem essa criação. Ou não. Talvez seja isso que nos desiluda. Uma personagem daquelas nunca poderia ter feito aquilo. Não gostei do fim do livro, o autor podia ter feito assim ou assado porque corresponderia mais às caracteristicas da Elisabete (caramba, que raio de nome. Decerto foi porque a minha filha me dizia agora que a minha mãe e a amiga de infância, quando se encontravam para almoçar só falavam de rainhas e princesas). 

Nos livros sou assim, conservadora. Só sinto prazer em ler coisas nas quais me consiga projectar. Às claras ou às escuras. Quero que aquelas pessoas todas dos livros, segundo as descrições do autor, sigam o caminho que eu, secretamente, imaginei. Por vezes, nem tenho caminhos desenhados, mas sei qual é que não devo seguir. Naturalmente adoro quando o rumo da história está para além da minha imaginação. 

Na vida real sou outra. Aceito os caminhos todos, gosto de ir por estradas que não conheço, de encontrar pessoas que me fazem pensar que são umas e depois são outras. Porque a vida não tem 234 páginas e acaba, tem um número capítulos infinitos até nos cansarmos e nos esquecermos daquele livro e daquelas pessoas.

Tenho lido muito nos últimos dois meses. Há pessoas que têm a teoria de que o tempo para ler se arranja. Mas disponibilidade mental não. E, quando se fala de ter tempo para ler, é dessa disponibilidade que se trata. Esta semana estou de férias. Só me dou conta de quão urgente eram estes dias para mim quando acordo todos os dias perto do meio dia, quando me apercebo que me apetece muito ler, que me apetece ver séries (uma novidade na minha vida pacata), que me apetece sair, um bocadinho só, no bairro. Saio para sentir o perfume desta Tilia, para beber um café, fazer compras e voltar para o sofá. Ontem estive uma hora de volta da cozinha a lavar, estender, limpar, pôr a loiça na máquina, limpar a caixa do gato, por mais roupa na máquina, lavar o chão. Penso que é a única ocasião em que sou capaz de me abstrair. O resto do tempo vivo alerta, com crises de ansiedade controladas por fármacos, porque a psicoterapia não pode tudo. Pelo menos comigo.

Não somos iguais. A Joana que lê e a Joana que vive são diferentes. Como se ler não fosse viver. Pelo menos os livros têm pontos finais e esses sinais gráficos mudam tudo. Nas histórias como na vida.

Não são iguais:

Panados com arroz de tomate

Quinta da Cruz da Pedra

Gralha Dixit

A curva

10.6.25

O homem sem nome

Eu estava sentada a ouvir o Philippe Claudel cujas intervenções eram intercaladas pela tradução simultânea. Olhei para o lado e vi um casal de chapéu de chuva preto a subir pela ala esquerda do corredor da direita.
Na praça azul, que tinha um toldo da mesma cor, corria um ventinho fresco pelas pessoas que estavam sentadas à sombra. Mas nas laterais, o sol batia quente. 
Pensei que aquela moda de se andar de guarda-chuva ao sol me chateava. Sempre houve sol em Portugal e agora toda a gente tinha decido subverter o uso do impermeável.

O homem virou-se. Reconheci-lhe o perfil, o boné, a magreza. Vi uma imagem que nunca tinha sido capaz de convocar, a de um bebé junto ao peito, a que tantas vezes me colei, em anos sem futuro, mas que ainda assim duraram anos. Não foram poucos.
Fui capaz de sentir ternura. Quantas vezes quis que o meu corpo todo se descolasse daquela pele, que o meu coração batesse por outra criatura, boa, capaz, recíproca.
Noutro tempo teria enviado uma mensagem que lhe desse a entender que estava por perto, como alguém que espreita atrás de uma árvore. Mas achei que aquela imagem devia ser suficiente para não voltarmos a repetir mensagens inesperadas, em qualquer dia do ano, a qualquer hora da noite. Era preciso apagar isso do presente. 

Tantos anos alimentados pela incerteza, pelo segredo, pelo imprevisto, pelo mistério. Nada concreto, só palavras que se escapavam pelos dedos, como a água que nos lava as mãos, e que foram tão capazes. Mas nunca suficientes. 
Nesses anos todos desejei que me arrancassem o músculo. Não queria mais sentir e agora, estava ali a olhar, com todo o tempo do mundo, o vento a trazer-me dois fios de cabelo para a frente e o perfil dele a olhar para o palco. Estou imóvel na cadeira, vejo-lhe o olhar inexpressivo. Sempre o mesmo. Mas fixo.
Sinto alívio e pergunto-me como fui capaz de gostar tanto daquela pessoa. Até à destruição. 

Às vezes acho que faço desta história mais do que aquilo que ela realmente foi.
Mas conformo-me e aceito que é impossível subestima-la, porque ela me trouxe coisas que nunca tinha conhecido antes.

6.6.25

Terra


 

O que eu gostava de poder viver de escrever pensamentos sempre que estou a observar as pessoas num sítio qualquer. Há dias estava no aeroporto, aguardava a chegada de um escritor francês que veio para uma série de eventos em torno do livro.

Enquanto esperava que o avião aTERRAsse, observava a multidão, que não dava um segundo de descanso à porta de saída.

Houve um tempo em que me sentava de propósito no banco da estação de metro do Rossio para ver quem entrava e saia do metro. Essa actividade trazia-me paz e algum frisson, porque acabava sempre por me surpreender e ver alguém que há muito não via ou que, secretamente, esperava cruzar.

Empoleirada com a elegância possível no corrimão e com os olhos postos no retângulo aberto, imaginava de onde vinham as pessoas. Pelas roupas, uns viriam, decerto, dos países nórdicos; outros, então, da praia e outros do esqui. Pela rapidez do passo e desenvoltura no espaço, via aquelas que estariam habituadas a frequentar os aeroportos, pela pouca bagagem aquelas que fizeram uma ida e volta por uma qualquer emergência ou até para resolver algum assunto rápido mas cuja presença física era indispensável. Havia os que tinham pessoas à espera e varriam a plateia com os olhos. Havia os que não sabem que são esperados e se emocionam ao cruzar um olhar e um aceno. Havia os que sabem que nunca têm ninguém à espera deles em lado nenhum e saem rapidamente de olhos baixos. Havia quem, ao meu lado, não aguentasse a ansiedade e perguntasse a quem saía de onde vinha aquele vôo. Havia ramos de flores, pessoas com pancartas na mão, turistas que sabiam que eram aguardados por referentes das agências de viagens. E havia pais que saltavam a barreira para abraçar os filhos, familiares que aguardavam quem viesse viver para mais perto. Emocionei-me.

Era capaz de ficar ali, assim, só a pensar em assuntos não sérios (serão?), a ver passar a gente rolar com as suas malinhas, imaginando a vida que não tenho.

Desço à terra. Na verdade, pouco saio dela. Tenho medo de aviões o que me impede de viajar e conhecer sítios novos. Gosto de ter os pés no chão. Há gostos para tudo. Pés no ar, só em mergulhos, em saltos em altura. E debaixo dos lençóis. Nesta matéria, acho que não há pés na terra que me valham. Falho com uma pinta invejável, porque devia saber tê-los bem assentes, mas sou demasiado apaixonada. Apaixonada por ínfimos pormenores dos quais não me consigo livrar durante muito tempo. Ando meses com a cabeça nas nuvens.

Hoje de manhã, pensava, no duche, que não tinha os pelos do corpo tão compridos há mais de dez anos. Mas que dois meses depois talvez esteja na altura de cortá-los. Escondem as tuas impressões que esfrego todas as manhãs com cuidado, mas não saem. Parecem tatuadas.

De manhã falava com uma amiga sobre amores e desamores. Falávamos da pressa com que algumas pessoas saem das nossas vidas, como o quadro elétrico que se desliga no final das férias, como as pilhas que pomos no lixo sem saber se ainda podiam funcionar. E então pensei que as impressões digitais ainda lá estavam porque eu as acariciava em vez de as esfregar com vigor.

Nada disto é terrestre. Mas para falar da terra tem que se falar de tudo o que nela assenta. Grave, agudo ou esdrúxulo. 

 

Noutras partes do globo

A curva

A Gralha Dixit 

23.5.25

Pantufas

 
Desde que iniciámos este colectivo que não leio os textos das minhas camaradas antes de escrever o meu para não me sentir influenciada. Mas vou lendo os comentários e percebendo, mais ou menos, o rumo que as publicações delas seguiram ou seguirão. 
Hoje o tema é pantufas e na minha cabeça (ou nos meus pés) é um tema macio, quentinho, ronronante. Porém, creio que foi tratado com bastante afinco e seriedade por elas e sinto um certo pudor em vir para aqui falar de banalidades e dizer que passo a semana à espera dos dias de pantufas, que não uso, nem no inverno, mas que idealizo como uma forma de descanso, de preguiça, de procrastinação. Que anseio pelo respirar fundo que alivia, pelo movimento do corpo que se ajeita do sofá para encontrar a forma há muito desenhada. Pelos pequenos dedos dos pés que se agitam de prazer antes de abrir o livro na página 43 ou antes de iniciar o filme que estava só à espera daquele instante par ser visto. Pelo  cheiro do bolo de iogurte que farei durante a pausa nestes pequenos prazeres, antes de o encontrar novamente na fatia de bolo, macio, que saiu das minhas mãos. As plantas que pedem água e as pantufas que deixam o tempo de observar as folhas novas. 
Tudo isto para mim representa a palavra pantufas. Até o cão da Anita e todos aqueles que vieram depois com o mesmo nome reúnem todos estes pequenos nadas que são tanto.
Mas o verão está aí à porta. As pantufas são substituídas pelas chinelas. Os dias têm outra textura e outra temperatura. Enquanto estamos nesta zona cinzenta uso chinelos abertos com meias, esperando ter o melhor dos dois mundos.

Pantufaria da avenida:
 

Gralha Dixit 

Boas intenções

A gata Christie