O que dizer sobre esse fio fino e frágil, tão bem construído por um pequeno ser vivo.
Lembro-me de uma fotografia que tirei há uns anos na varanda da minha casa nos Alpes. Entre as madeiras húmidas das gotas de chuva, lá estava ela, perfeita, luminosa. Parecia desenhada.
Mas a maioria das vezes quando falamos em teias de aranha é para dizer que as coisas são velhas, para falar do tempo, das coisas fora desse tempo, estragadas pelos anos.
O que me faz pensar o tema desta semana é que as aranhas gostam da minha casa. Porque tem pó, tem cantos, tem coisas velhas e tem muita coisa. Assim que arredo o mobiliário, lá estão as teias a lembrar que devo fazer qualquer coisa por mim. Até as aranhas já se foram embora, deixaram as teias ao abandono. Esta casa já não serve para elas, foram viver para outra freguesia.
Nunca fui uma pessoa minimalista, sempre achei estranhas as casas que não têm nada à vista. Nada em cima da bancada da cozinha, nada por cima dos móveis da sala que faça imaginar que há vida ali e como serão os seus habitantes.
Não sou uma pessoa arrumada. O que me safa é que tenho a tal desorganização organizada. Tenho uma excelente memória visual que me faz olhar uma vez para as coisas pelo canto do olho para logo registar onde estão e mais tarde encontra-las. Olha uma coisa que tenho de bom. Vou já apontar num caderno, que vou encetar para este assunto.
Sucede que desde o covid a minha vida tornou-se um caos. Tive necessidade de encher-me de coisas. A mim e ao que me rodeia. Enchi-me de 20kg, fiquei mais velha, ganhei teias no cabelo. Enchi a minha casa de livros, de papeis, de brinquedos. Sinto-me bem a viver aqui. Não vejo o pó, não vejo a desarrumação, não vejo as teias de aranha que se instalaram na minha vida. Vivo numa teia e não sei sair dela.
No final do verão do ano passado arranjei um namorado. Foi breve, como sempre, mas foi muito bom. Não interessa o tempo, mas a força das coisas. Eu gostava que as coisas boas durassem muito tempo, mas o pior é que parecem ter mais força quanto mais breves são. Esse rapaz era uma pessoa extremamente arrumada e não se importava de vir à minha casa-teia-de-aranha. Sofria muito de alergias e nunca podia ficar comigo porque passava o tempo todo a espirrar e com dificuldades em respirar. Quando eu ia a casa dele, reparava no gosto que tinha pelo espaço que habitava. Comprava coisas novas, deitava abaixo paredes, mudava as coisas de lugar. Admirava-lhe isso e comecei a sonhar num espaço melhor para a minha casa. Não sabia como fazê-lo porque não sabia por onde pegar.
Um dia em conversa com o meu irmão disse-lhe que gostava de dividir a sala em dois espaços, sala de estar e sala de jantar. Ele queria logo pôr mãos à obra, mas eu nestas coisas preciso de mentalização. Combinámos na segunda-feira seguinte. Deitámos fora moveis, papeis, objectos. Arredamos o mobiliário e aspirámos as centenas de teias de aranha e as histórias que faziam parte delas. Deitámos fora coisas e a memória dessas mesmas coisas. Testámos os móveis em todas as posições e mais algumas até que encontrámos o resultado certo da equação. No final, quando os sacos do que já não queria foram entregues à associação reto à esperança, quando os 20 sacos do lixo foram postos nos caixotes, quando pusemos as cobertas nos sofás e acendemos as luzes de todos os candeeiros, nem queria acreditar que era possível ter gosto pela casa. Não consegui perceber a razão de ter tantos e tantos papeis em casa na era da digitalização. Estava incrédula, os meus livros já não estavam empilhados em cima de todos os tampos da sala para agora aparecerem com as lombadas viradas para o exterior e não queria acreditar que agora tinha espaço para receber amigos em casa para jantar, em torno da mesma mesa.
Agradeço antes de tudo ao meu irmão a ajuda, mas sobretudo a delicadeza com que tratou este assunto, percebendo o problema dos acumuladores e a dificuldade que era para mim ter de me livrar de cada folha mais imprestável, que continha, porem, uma história. E agradeço às pessoas que passam pela minha vida, ainda que de forma fugaz, que me inspiram e me fazem querer ser, não sei se uma pessoa melhor, porque isto dito assim pode parecer estranho, mas que me dão vontade de recomeçar. E os recomeços trazem sempre entusiasmo.
Por agora chega de aranhas em casa.
Também as teias de aranha
da Maria João
da Rita Dantas
1 comentário:
Que amor de irmão!
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