cela me rassure d'avoir la confirmation qu'il est des choses qui demeurent intactes * philippe besson

one of the secrets of a happy life is continuous small treats * iris murdoch

it's a relief sometimes to be able to talk without having to explain oneself, isn't it? * isobel crawley * downtown abbey

carpe diem. seize the day, boys. make your lives extraordinary * dead poets society

a luz que toca lisboa é uma luz que faz acender qualquer coisa dentro de nos * mia couto





17.11.12

monsieur f.

neste post tinha prometido falar sobre ele uma outra vez, e essa vez foi hoje

na biblioteca vamos crescendo e vendo os outros crescer. pequenos e grandes. ha leitores que vivem aqui na vila e vêm ca com regularidade, ha pessoas que têm residências de férias e vêm ca no inverno para esquiar e no verão para dar passeios nas montanhas, ha pessoas que vêm ca durante quatro ou cinco meses para trabalhar e so durante esse periodo é que os vejo na biblioteca. uns não regressam, outros regressam todos os anos. alguns comecei por conhecê-los solteiros e depois com filhos. entretanto são os filhos que vemos crescer. mas também ha leitores que desaparecem para sempre como aconteceu com o g., como ja aconteceu com pessoas que tiveram acidentes de carro, nestas estradas perigosas, com pessoas que tiveram acidentes com avalanches. quando regressei de férias fiquei a saber que monsieur f. morreu e fiquei com imensa pena. monsieur f. tinha 76 anos, era um senhor velhilho muito bem disposto. cumprimentava-me sempre com um “passou bem” apertado. monsieur f. tinha um problema auditivo e por isso usava um aparelho e falava muito alto. nos também tinhamos que falar muito alto com ele e por vezes até gritar porque ele continuava a falar por cima de nos a fazer a mesma pergunta à qual nos ja tinhamos respondido varias vezes em todos os tons que as nossas cordas vocais nos permitiam. monsieur f. vinha de três em três semanas, respeitava escrupulosamente o prazo de devolução dos livros. levava sempre 5 romances de literatura « du terroir » e fazia reservas das novidades e de titulos que lhe interessavam ler. quando chegava ao balcão de empréstimos tirava do saco um envelope grande, deste envelope grande tirava um pequeno e do envelope pequeno tirava o cartão de leitor. quando mo estendia reparava sempre que tinha varias datas inscritas, eram as datas das devoluções dos livros que ele pensava que podiam apagar-se, mas que não podiam.

na semana passada bateram no carro da j. em frente ao hospital.  quando ela saiu do carro o senhor que lhe tinha batido pediu imensa desculpa, disse que estava desorientado, que tinha vindo agora do hospital e que o pai dele estava a morrer. era monsieur f. … monsieur f. que morreu no dia em que o seu cartão de leitor da biblioteca expirava. e a nossa biblioteca ficara sem duvida mais pobre. pobre de leitores e de historias para contar. porque ele era assim, tinha muitas coisas para contar e nos gostavamos de contar historias sobre ele.

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