Menti ao padre quando me casei.
Menti-lhe quando tive de me confessar antes do casamento. Disse-lhe que não me arrependia de nada. Que não estava a ver o que podia dizer-lhe em confissão, mas que se de facto era preciso dizer alguma coisa seria de que me arrependia de ter dito coisas que tivessem magoado pessoas. Sobretudo pessoas que são importantes para mim e para quem eu sou importante também.
Menti-lhe porque não quis falar-lhe daquela tarde na Pastelaria Conchita, em que a minha mãe estava sentada na mesa a beber um café e eu, de pé ao lado dela, via, do alto dos meus seis anos, uma criança a correr do balcão para a parede e da parede para o balcão a gritar. Nunca gostei de gritos e, francamente, aquele vai e vem já me estava a irritar. De maneira que nada me pareceu mais fácil do que esticar a perna para fazer uma rasteira ao pequeno e feliz corredor. Caiu no chão e o berreiro foi ainda maior. Pelo corte drástico àquela alegria veloz, pela humilhação que as crianças percebem, pelo mal que alguém lhe quis. Ali, no café do bairro, onde nasci, cresci e ainda vivo, tal como o café, levei uma sova da minha mãe, que me ficou na memória. Ou não estaria aqui agora a falar nisso.
Se me arrependo? Sim, claro.
E neste preciso momento estou a mentir com todos os dentes que tenho na boca, que não são poucos e que o meu sorriso gigante não se coíbe de mostrar.
Naquele ano, naturalmente, eu ainda não tina lido os Contos exemplares, do Max Aub
Também já mentiram
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