cela me rassure d'avoir la confirmation qu'il est des choses qui demeurent intactes * philippe besson

one of the secrets of a happy life is continuous small treats * iris murdoch

it's a relief sometimes to be able to talk without having to explain oneself, isn't it? * isobel crawley * downtown abbey

carpe diem. seize the day, boys. make your lives extraordinary * dead poets society

a luz que toca lisboa é uma luz que faz acender qualquer coisa dentro de nos * mia couto





6.6.25

Terra


 

O que eu gostava de poder viver de escrever pensamentos sempre que estou a observar as pessoas num sítio qualquer. Há dias estava no aeroporto, aguardava a chegada de um escritor francês que veio para uma série de eventos em torno do livro.

Enquanto esperava que o avião aTERRAsse, observava a multidão, que não dava um segundo de descanso à porta de saída.

Houve um tempo em que me sentava de propósito no banco da estação de metro do Rossio para ver quem entrava e saia do metro. Essa actividade trazia-me paz e algum frisson, porque acabava sempre por me surpreender e ver alguém que há muito não via ou que, secretamente, esperava cruzar.

Empoleirada com a elegância possível no corrimão e com os olhos postos no retângulo aberto, imaginava de onde vinham as pessoas. Pelas roupas, uns viriam, decerto, dos países nórdicos; outros, então, da praia e outros do esqui. Pela rapidez do passo e desenvoltura no espaço, via aquelas que estariam habituadas a frequentar os aeroportos, pela pouca bagagem aquelas que fizeram uma ida e volta por uma qualquer emergência ou até para resolver algum assunto rápido mas cuja presença física era indispensável. Havia os que tinham pessoas à espera e varriam a plateia com os olhos. Havia os que não sabem que são esperados e se emocionam ao cruzar um olhar e um aceno. Havia os que sabem que nunca têm ninguém à espera deles em lado nenhum e saem rapidamente de olhos baixos. Havia quem, ao meu lado, não aguentasse a ansiedade e perguntasse a quem saía de onde vinha aquele vôo. Havia ramos de flores, pessoas com pancartas na mão, turistas que sabiam que eram aguardados por referentes das agências de viagens. E havia pais que saltavam a barreira para abraçar os filhos, familiares que aguardavam quem viesse viver para mais perto. Emocionei-me.

Era capaz de ficar ali, assim, só a pensar em assuntos não sérios (serão?), a ver passar a gente rolar com as suas malinhas, imaginando a vida que não tenho.

Desço à terra. Na verdade, pouco saio dela. Tenho medo de aviões o que me impede de viajar e conhecer sítios novos. Gosto de ter os pés no chão. Há gostos para tudo. Pés no ar, só em mergulhos, em saltos em altura. E debaixo dos lençóis. Nesta matéria, acho que não há pés na terra que me valham. Falho com uma pinta invejável, porque devia saber tê-los bem assentes, mas sou demasiado apaixonada. Apaixonada por ínfimos pormenores dos quais não me consigo livrar durante muito tempo. Ando meses com a cabeça nas nuvens.

Hoje de manhã, pensava, no duche, que não tinha os pelos do corpo tão compridos há mais de dez anos. Mas que dois meses depois talvez esteja na altura de cortá-los. Escondem as tuas impressões que esfrego todas as manhãs com cuidado, mas não saem. Parecem tatuadas.

De manhã falava com uma amiga sobre amores e desamores. Falávamos da pressa com que algumas pessoas saem das nossas vidas, como o quadro elétrico que se desliga no final das férias, como as pilhas que pomos no lixo sem saber se ainda podiam funcionar. E então pensei que as impressões digitais ainda lá estavam porque eu as acariciava em vez de as esfregar com vigor.

Nada disto é terrestre. Mas para falar da terra tem que se falar de tudo o que nela assenta. Grave, agudo ou esdrúxulo. 

 

Noutras partes do globo

A curva

A Gralha Dixit 

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