14.2.25

Atraso de vida


Começo a escrever estas linhas sem grandes ideias do que vou dizer. 
 
É São Valentim, e faço uma retrospetiva dos falhanços que tenho vindo a acumular em termos amorosos. Penso que este texto podia perfeitamente ter o título de um nome próprio, mas não seria justo estar a chamar atrasados aos outros quando eu sou a minha pior inimiga e como tal a grande atrasadora da minha vida.
 
Uso o insulto ‘atraso de vida’ na maioria das vezes no trânsito. Fora isso, resumo a coisa a ‘atrasado’. Se penso nesta expressão, literalmente, reparo que sempre que a pronuncio ou abrevio é para denunciar que aquela que não sou eu tem um ritmo diferente do meu. Ora porque deixa passar todos os carros e mais alguns, quando tem a prioridade, criando filas de trânsito a uma segunda-feira, para começar bem a semana. Ora porque demora a estacionar num espaço onde cabem três carros e então ‘saiu-lhe a carta na farinha amparo’. Enfim. Fora do transito sou uma pessoa adorável, com um rosto sério. Dizem que nunca me rio ou que me rio pouco. Que sou austera. Eu acho que tenho um coração gigante
 
Sou uma acelerada que passa muito tempo no sofá. Não sei como é isto, mas é assim. Tudo tem de ir depressa e o que não vai a essa velocidade atrasa-me a vida. Se estou no sofá o tempo abranda, é macio, morno, roça os preciosos segundos que antecedem todas as sestas. O sofá serve para atrasar a vida, para o relógio andar mais devagar, tal como na bomba da gasolina, em que os euros demoram mais a passar do que os segundos. As coisas que uma pessoa pensa, quando tem a pistola na mão.
Mas recorro ao espelhinho da semana passada. Olho para ele e penso que sou uma pessoa cheia de medos, que sofro de ansiedade crónica que tem de ser controlada com fármacos, que tenho dúvidas existenciais que ninguém compreende, que tenho pouca estima por mim. Na verdade, é tudo isto que me atrasa a vida. 
 
Pausa.
 
Há sempre uma diferença enorme entre aquilo que eu acho que se passa e aquilo que se passa realmente. A verdade é que eu ou não faço ou faço tudo à última da hora, por isso, chego sempre em cima do acontecimento a tudo. Sou pontual e sou capaz de coisas que nem eu sabia que conseguia fazer em tão pouco tempo.

O que me atrasa a vida é sofá. O que me atrasa a vida sou eu no sofá. Neste momento ele é o objecto mais precioso dos meus dias, o principal culpado de me ter tornado uma procrastinadora nata. Mais. Uma descuidada. Já me perguntaram com honestidade: mas porque é que não deitas fora o sofá? Tento imaginar como seriam os dias sem essa peça de mobiliário fundamental para os atrasos de vida e imagino-me enlouquecer, sentada no sofá do carro a chamar atrasados a todos no trânsito.
 
Atrasos de vida
 

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