cela me rassure d'avoir la confirmation qu'il est des choses qui demeurent intactes * philippe besson

one of the secrets of a happy life is continuous small treats * iris murdoch

it's a relief sometimes to be able to talk without having to explain oneself, isn't it? * isobel crawley * downtown abbey

carpe diem. seize the day, boys. make your lives extraordinary * dead poets society

a luz que toca lisboa é uma luz que faz acender qualquer coisa dentro de nos * mia couto





21.2.25

Teias de aranha

 


O que dizer sobre esse fio fino e frágil, tão bem construído por um pequeno ser vivo.

Lembro-me de uma fotografia que tirei há uns anos na varanda da minha casa nos Alpes. Entre as madeiras húmidas das gotas de chuva, lá estava ela, perfeita, luminosa. Parecia desenhada.

Mas a maioria das vezes quando falamos em teias de aranha é para dizer que as coisas são velhas, para falar do tempo, das coisas fora desse tempo, estragadas pelos anos.

O que me faz pensar o tema desta semana é que as aranhas gostam da minha casa. Porque tem pó, tem cantos, tem coisas velhas e tem muita coisa. Assim que arredo o mobiliário, lá estão as teias a lembrar que devo fazer qualquer coisa por mim. Até as aranhas já se foram embora, deixaram as teias ao abandono. Esta casa já não serve para elas, foram viver para outra freguesia.

Nunca fui uma pessoa minimalista, sempre achei estranhas as casas que não têm nada à vista. Nada em cima da bancada da cozinha, nada por cima dos móveis da sala que faça imaginar que há vida ali e como serão os seus habitantes.

Não sou uma pessoa arrumada. O que me safa é que tenho a tal desorganização organizada. Tenho uma excelente memória visual que me faz olhar uma vez para as coisas pelo canto do olho para logo  registar onde estão e mais tarde encontra-las. Olha uma coisa que tenho de bom. Vou já apontar num caderno,  que vou encetar para este assunto.

Sucede que desde o covid a minha vida tornou-se um caos. Tive necessidade de encher-me de coisas. A mim e ao que me rodeia. Enchi-me de 20kg, fiquei mais velha, ganhei teias no cabelo. Enchi a minha casa de livros, de papeis, de brinquedos. Sinto-me bem a viver aqui. Não vejo o pó, não vejo a desarrumação, não vejo as teias de aranha que se instalaram na minha vida. Vivo numa teia e não sei sair dela.

No final do verão do ano passado arranjei um namorado. Foi breve, como sempre, mas foi muito bom. Não interessa o tempo, mas a força das coisas. Eu gostava que as coisas boas durassem muito tempo, mas o pior é que parecem ter mais força quanto mais breves são. Esse rapaz era uma pessoa extremamente arrumada e não se importava de vir à minha casa-teia-de-aranha. Sofria muito de alergias e nunca podia ficar comigo porque passava o tempo todo a espirrar e com dificuldades em respirar. Quando eu ia a casa dele, reparava no gosto que tinha pelo espaço que habitava. Comprava coisas novas, deitava abaixo paredes, mudava as coisas de lugar. Admirava-lhe isso e comecei a  sonhar num espaço melhor para a minha casa. Não sabia como fazê-lo porque não sabia por onde pegar.

Um dia em conversa com o meu irmão disse-lhe que gostava de dividir a sala em dois espaços, sala de estar e sala de jantar. Ele queria logo pôr mãos à obra, mas eu nestas coisas preciso de mentalização. Combinámos na segunda-feira seguinte. Deitámos fora moveis, papeis, objectos. Arredamos o mobiliário e aspirámos as centenas de teias de aranha e as histórias que faziam parte delas. Deitámos fora coisas e a memória dessas mesmas coisas. Testámos os móveis em todas as posições e mais algumas até que encontrámos o resultado certo da equação. No final, quando os sacos do que já não queria foram entregues à associação reto à esperança, quando os 20 sacos do lixo foram postos nos caixotes, quando pusemos as cobertas nos sofás e acendemos as luzes de todos os candeeiros, nem queria acreditar que era possível ter gosto pela casa. Não consegui perceber a razão de ter tantos e tantos papeis em casa na era da digitalização. Estava incrédula, os meus livros já não estavam empilhados em cima de todos os tampos da sala para agora aparecerem com as lombadas viradas para o exterior e não queria acreditar que agora tinha espaço para receber amigos em casa para jantar, em torno da mesma mesa.

Agradeço antes de tudo ao meu irmão a ajuda, mas sobretudo a delicadeza com que tratou este assunto, percebendo o problema dos acumuladores e a dificuldade que era para mim ter de me livrar de cada folha mais imprestável, que continha, porem, uma história. E agradeço às pessoas que passam pela minha vida, ainda que de forma fugaz, que me inspiram e me fazem querer ser, não sei se uma pessoa melhor, porque isto dito assim pode parecer estranho, mas que me dão vontade de recomeçar. E os recomeços trazem sempre entusiasmo.

Por agora chega de aranhas em casa.

 

Também as teias de aranha 

da Carla Rodrigues

da Maria João

da Rita Dantas

da Calita Fonseca

da Mariana Leite Braga

14.2.25

Atraso de vida


Começo a escrever estas linhas sem grandes ideias do que vou dizer. 
 
É São Valentim, e faço uma retrospetiva dos falhanços que tenho vindo a acumular em termos amorosos. Penso que este texto podia perfeitamente ter o título de um nome próprio, mas não seria justo estar a chamar atrasados aos outros quando eu sou a minha pior inimiga e como tal a grande atrasadora da minha vida.
 
Uso o insulto ‘atraso de vida’ na maioria das vezes no trânsito. Fora isso, resumo a coisa a ‘atrasado’. Se penso nesta expressão, literalmente, reparo que sempre que a pronuncio ou abrevio é para denunciar que aquela que não sou eu tem um ritmo diferente do meu. Ora porque deixa passar todos os carros e mais alguns, quando tem a prioridade, criando filas de trânsito a uma segunda-feira, para começar bem a semana. Ora porque demora a estacionar num espaço onde cabem três carros e então ‘saiu-lhe a carta na farinha amparo’. Enfim. Fora do transito sou uma pessoa adorável, com um rosto sério. Dizem que nunca me rio ou que me rio pouco. Que sou austera. Eu acho que tenho um coração gigante
 
Sou uma acelerada que passa muito tempo no sofá. Não sei como é isto, mas é assim. Tudo tem de ir depressa e o que não vai a essa velocidade atrasa-me a vida. Se estou no sofá o tempo abranda, é macio, morno, roça os preciosos segundos que antecedem todas as sestas. O sofá serve para atrasar a vida, para o relógio andar mais devagar, tal como na bomba da gasolina, em que os euros demoram mais a passar do que os segundos. As coisas que uma pessoa pensa, quando tem a pistola na mão.
Mas recorro ao espelhinho da semana passada. Olho para ele e penso que sou uma pessoa cheia de medos, que sofro de ansiedade crónica que tem de ser controlada com fármacos, que tenho dúvidas existenciais que ninguém compreende, que tenho pouca estima por mim. Na verdade, é tudo isto que me atrasa a vida. 
 
Pausa.
 
Há sempre uma diferença enorme entre aquilo que eu acho que se passa e aquilo que se passa realmente. A verdade é que eu ou não faço ou faço tudo à última da hora, por isso, chego sempre em cima do acontecimento a tudo. Sou pontual e sou capaz de coisas que nem eu sabia que conseguia fazer em tão pouco tempo.

O que me atrasa a vida é sofá. O que me atrasa a vida sou eu no sofá. Neste momento ele é o objecto mais precioso dos meus dias, o principal culpado de me ter tornado uma procrastinadora nata. Mais. Uma descuidada. Já me perguntaram com honestidade: mas porque é que não deitas fora o sofá? Tento imaginar como seriam os dias sem essa peça de mobiliário fundamental para os atrasos de vida e imagino-me enlouquecer, sentada no sofá do carro a chamar atrasados a todos no trânsito.
 
Atrasos de vida
 

7.2.25

Narcisa Fatela

Não posso ver um espelhinho que saco logo do aparelho para me fotografar. 
A escritora Ana Teresa Pereira diz que a nossa imagem é para nós o maior dos mistérios. Esta passagem vive dentro de mim.
Os espelhos têm um significado ambivalente, permitem avaliar a beleza e os defeitos. Quantos não ouviram na escola “nunca te viste ao espelho?”. Os espelhos são magníficos e misteriosos. Dizem, em silêncio. Nunca saberemos se o reflexo corresponde à verdade, a não ser que no-lo digam e ainda assim não saberemos se dirão com sinceridade.
É no espelho que vejo que tenho um sinal novo no rosto, é no espelho que me penteio e que ponho o gancho nos cabelos, é no espelho que vejo que o bâton ficou borrado. É também no espelho que vejo as minhas curvas, mais largas ou mais acentuadas, é nele que posso ver como são os meus gestos quando falo, como sorrio, como faço caretas, como se me rasgam os olhos quando me rio com vontade.
É o espelho que me mostra partes de mim que os meus olhos não alcançam.
É também nele que vejo se tenho comida nos dentes, se tenho macacos no nariz, migalhas no queixo.

Vejo-me ao espelho, a maior parte das vezes, sozinha. Por vezes disfarço, porque diz que olhar para o espelho não é bom. Como uma maleita. Eu tenho muita pena desse parecer, porque adoro espelhos, gosto de saber como sou fisicamente, como poderei ser de outras maneiras, se quiser fingir ser outra pessoa. Tenho essa curiosidade. Por vezes, penso que gostava que houvesse um espelho no meu coração que me permitisse conhecer-me melhor por dentro. Um retrovisor interior, para olhar para o passado, um retrovisor lateral para ver os ângulos mortos. 
Conforta-me a transparência dos espelhos, o reflexo. Às vezes faço um jogo: sorrio para o espelho,  fecho os olhos, registo essa imagem, e fico a pensar se é também daquela maneira que sorrio para as pessoas ou se existe uma forma particular de seduzir o espelho que cuja ‘tecnica’ não usamos com os outros.

Sei que há sorrisos ensaiados e admiro quem consegue fazer isso. Considero que é preciso alguma mestria para ter capacidade de desdobramento e memória para saber reproduzir essa imagem nas mais variadas circunstâncias.
No início dos meus 40 interessei-me muito por espelhos. Nessa altura vi uma exposição que esteve na Gulbenkian, comprei o livro História dos espelhos, da Sabine Melchior-Bonnet, requisitei L'attrait des mirrois na biblioteca. Um espelho é uma espécie de abismo, sem altitude, é a falsa visão de um oásis, o 'assombro por aquilo que lá não está'.
Lembro-me de que as crianças adoram ver-se ao espelho. É uma bonita descoberta, esse contato exterior com o eu.

Volto à conhecida imagem de Narciso. O encontro com o espelho é um encontro íntimo, secreto, silencioso, surpreendente. Leio as linhas de cima e constato que só falei de mim. Estou enamorada por mim. Se isso fosse verdade… e agora? Vão por água abaixo todas as teorias? As psicanalíticas e as outras? Vão dizer que ela diz que não está enamorada, mas afinal está, ela é que não sabe. Os outros é que sabem quem nós somos. Eles inventam teorias sobre nós, através da observação, da repetição, das suas próprias ideias, das suas experiências. Eles constroem-nos e destroem-nos. E nós fazemos o mesmo. Somos espelhos uns dos outros. Uns sem truques por trás, como o espelho básico que se compra na loja dos vidros, outros com efeitos especiais, como os da feira Popular, outros enganadores, como os dos provadores.

Afasto-me agora deste encontro a sós. Por vezes não estou sozinha no espelho, tenho histórias com outras pessoas, mas nunca encontraria as palavras certas para falar da beleza do erotismo no espelho.


PS nos anos 90 trabalhei numa livraria em Benfica. Um dia o telefone tocou e uma senhora pediu para que lhe reservássemos um livro. Perguntei-lhe o nome para apontar na reserva e ela respondeu Narcisa Fatela. Nunca saberei se se tratava do seu verdadeiro nome, mas soube que essa conversa telefónica me ficaria para o resto da vida.
 
Espelhos é o segundo tema de um colectivo cuja casa abre em breve. 
O primeiro tema foi espalhar-se ao comprido. Escrevem também sobre espelhos e sobre os temas que por vir:

 

3.2.25

Quer frô?


Há pessoas que fazem parte da nossa vida sem nunca termos frequentado as respetivas casas e até sem lhes conhecermos o nome. 
Vejamos o senhor do adeus, que para muitos, só quando morreu soubemos que se chamava João.
Este senhor da fotografia é uma dessas pessoas que entra pelas nossas vidas com flores, anéis fluorescentes, bandelettes psicadélicas etc. 'Conheço-o', entre aspas, sim, desde a adolescência. Este senhor, na altura mais novo, como todos nós, e mais forte, percorria Lisboa a vender flores, nos restaurantes, e toda a parafernália que enumerei antes. Qual é a donzela que nunca recebeu uma 'frô' (dito com afecto) vendida por este senhor, numa qualquer rua do Bairro Alto? Eu recebi. Eu andei de anéis de borracha fluorescentes e de bandelettes psicadélicas nas noites da juventude. Este senhor, sem o saber, enchia as nossas noites de gargalhadas ou de romance. Na altura achávamos foleiro receber uma rosa destas, dizíamos que eram congeladas, que era parolo um gajo oferecer uma flor daquelas. Mas quase todos o fizeram. E no meio da vergonha pela entourage, que julgava bem ou mal aquele gesto, havia um sorriso interior. Tudo é uma questão de postura.
Não sei se os clientes se fizeram escassos, se o negócio teve maiores ambições, o senhor começou a alargar o perímetro e todos os fins de semana o vejo, ora em São Domingos de Benfica ora em Benfica. Qualquer que seja o restaurante onde esteja, ele aparece, sempre de ramo de flores em punho, sorridente, insistindo amavelmente para que lhe compramos uma flor.
O senhor, apesar dos tempo em que está em Portugal, fala pouco português. Gostava de lhe conhecer a história. Gostava que um dia destes se sentasse connosco à mesa e conversassemos sobre quem ele é, quem ele foi, como chegou aqui.
Tal como o senhor do adeus, cuja gentileza do gesto era um aceno generoso, uma imagem elegante numa rotunda da cidade, o senhor das flores vende rosas. Por vezes 'faz um preço',  outras oferece, tenho a certeza. As noites de Lisboa não são as mesmas sem a entrada dele num restaurante. Os romances não são os mesmos sem uma daquelas rosas, de pétalas sempre carnudas. 
O senhor. O senhor. Dou-me conta que não lhe conheço o nome. É importante sabermos o nome das pessoas? Absolutamente. Como pode uma pessoas destas ser anónima na minha vida quando a atravessa e atravessou tantos fins de semana?
No próximo encontro perguntar-lhe-ei o nome. Comprar-lhe-ei uma flor que me oferecerei a mim mesma e perguntar-lhe-ei que se aceitaria sentar-se connosco à mesa para beber um copo e para dois dedos de conversa.

31.1.25

O patinho

 
31 de janeiro. Fim do mês. O Carrocel está cheio, decerto para celebrar o único mês do ano que dura uma eternidade e que finalmente acabou. Curioso é que, tendo o mesmo número de dias do que Agosto, não tem a mesma duração. 'A matemática serve para tudo', dizia o meu pai.
Hoje há pato no forno com batatas às rodelas. Nunca fui de pato até ir viver para França e experimentar o confit de canard, especialidade do Sudoeste, que se tornou o meu prato preferido. Depois disso, tornei -me capaz de abrir portas ao arroz de pato (mas nunca ao pato com arroz) e, hoje, dei uma abébia ao pato no forno. Foi a melhor decisão que tomei em janeiro. Pelo andar da carruagem, provavelmente é a melhor decisão que terei tomado em 2025. Há lá patinho melhor que o do Carrocel. Até mel traz no molho. Almoço satisfeita a cantar para dentro 'Bô tem mel'. Olho para as outras mesas cheias de patos também. Cadáveres. Carcaças com as quais nos deliciamos. Que horror, já estraguei isto tudo.
A maior parte dos clientes são senhores. Aqui há pessoas de todos os horizontes sociais e o Carrocel não faz caso disso. Todos são atendidos e servidos com a mesma gentileza. À minha frente, uma rapariga come uma sopa e prossegue com um grelhado acompanhado de salada. Devia seguir -lhe os passos . Ao fundo toca um telefone, o volume está no máximo e o seu proprietário olha muito enfadado para o ecrã, sem atender, enquanto o restaurante todo leva com o som estridente. Comemos e calamos ao som de 'Quando o telefone toca, boa tarde!' A minha avó está sempre comigo, nestas ruas, até os programas de rádio que ouvíamos juntas são chamadas para o caso do patinho. O Carrocel enche. Enquanto escrevo estas linhas deixo esfriar a italiana e penso que tenho de me levantar porque ainda tenho de ir a pé até ao trabalho, sem esquecer de passar no café grego para tirar uma fotografia para a minha filha. Convenci-a a não ir a Disney e a escolhermos outro destino. Assim que proferi estas palavras, a pequena criatura subiu à mesa da cozinha para ver melhor o mapa do mundo e decretou que íamos para a Grécia ou para Malta. Eu que escolhesse.
Olho para este texto e pergunto-me para que serve escrever sobre isto. Para nada.
Passo os pensamentos para o papel e assim organizo as emoções, como diz a outra. 
Bem preciso de tratar desta incontinência. Que pieguice, xiça. 

Espalhar-se ao comprido


Aprontava-me para dizer mal da pessoa que tinha passado a hora do almoço a gritar no restaurante e que, contente, me agarrou no braço para fazer graça disso, como se as pessoas não tivessem mais em que reparar. Aguardava, maléfica, que a minha amiga saísse para fora para lançar fel. Sucede que o universo conspirava e não era a meu favor, contra tudo o que se diz do meu signo para este ano.
Foi um passo em falso. Não foi a pedra no sapato, foi o sapato na pedra, foi o cair na tentação, foi espalhar-me ao comprido. Naqueles segundos que parecem os 8 minutos à espera do metro em hora de ponta, uma pessoa quase que tem tempo de pensar na vida e até escolher a banda sonora. Na maldade que ia fazer, no pormenor com que o pé pousou na pedra e porque é que o calhau estava ali e como é que não viu, como é que não conseguiu reequilibrar-se e por que razão não havia ali nada ao lado que tivesse aparado os seus 76 kg. Ouço a voz da minha avó: cuidado, filha, que ainda dás uma queda. Não se esquecem as vozes dos mortos, nem os conselhos sábios.
Levantei-me, a minha amiga perguntou se eu estava bem, duas pessoas que passavam nesse momento chutaram a pedra para longe. Verifiquei que as minhas calças novas não tinham buracos nos joelhos e que nem as mãos estavam esfoladas. O meu peso caíra sobre a minha mão direita sem parti-la. Estava incrédula. Quando me recompus, para aligeirar o episodio, a minha amiga disse-me que tinha caído graciosamente. O tanas! Subimos a Rua da Esperança a conversar rapidamente sobre a vergonha que uma queda pode causar. Pus-me a pensar nisso. No curso da vida toda a gente cai, umas vezes com graça outras nem por isso, mas cair é um descontrolo, uma distração, uma desobediência do corpo. Excluindo a patinagem artística, não há beleza nas quedas inesperadas. Uma perna para o lado, o rabo para o outro, os óculos para o meio da estrada, a mala virada ao contrário, a roupa esburacada e toda a gente parada ao lado, em pausa do telecomando, uns a ver se a pessoa se magoou, outros a rirem-se outros a ajudar. Caí atrás de um carro, com discrição, mas na verdade pareceu-me estava a ser levada por uma onda na zona de rebentação. 
Continuámos a subir, a fumar e a dar continuidade aos assuntos que tinham estado em cima da mesa, juntamente com o borrego e com as gambas. Despedimo-nos à pressa porque eu tinha de ir abrir a biblioteca e porque também tinha um encontro marcado com Einstein e com Brett Anderson.

PS nesta fotografia de 2020 pesava menos 20 kg e foi a última vez que me espalhei, antes desta que contei. Ia a correr para o barco com a minha filha nos braços, atirei -me com o cotovelo para o chão, para ela não bater com a cabeça e encontrei-me no hospital dos Lusíadas a levar pontos. Pela lógica lá para 2030 escrevo outra vez sobre este tema

Neste projecto 'colectivo' como se gosta muito de dizer agora, está também 

a Carla do Kaputt 2.0 
a Maria João Caetano, do A Gata Christie
a Mariana Leite Braga, do Gralha Dixit 
 
e mantenho o suspense sobre quem ainda aí vem! 

30.1.25

Voltei voltei, voltei de lá, 'inda' agora estava em França e agora já estou cá



Epá... é tudo...!
É o Facebook que não interessa ao menino Jesus, que só apresenta sugestões que me fazem pôr em causa a leitura dos meus interesses. É o Instagram que deixou de mostrar as páginas que sigo que me interessam, e eu depois também não me lembro de ir procurar. É o threads que caiu de para-quedas no meio disto tudo e cuja função, para mim, permanece um mistério. São os outros atrasados todos do X , e mais o telegram e o diabo a 4. Enfim, quando havia blogues o mundo parecia ser mais sereno. Em vez das pessoas cultivarem o ódio, cultivavam a possibilidade de se encontrarem para falar das coisas bonitas que se viam e escreviam nas páginas. 

Foi nessa circunstância que conheci mademoiselle, senhora da página 'Apanhada na curva' e 'Kaput 2.0'. Simpatizámos há uns 12 ou 13 anos atrás, encontrámo-nos em Paris, em Lisboa, marcávamos cafés de vez em quando, almoços quando ela não se esquecia de mim e... 
estou certa de que foram as gambas! Um estudo diz que quem come mais gambas tem mais probabilidades de dar à luz um blogue coletivo. Falámos sobre escrever, 'Devias escrever!" "Não! Tu é que devias! Então bute lá escrever as duas. Por sorte, digo bem, por sorte, depois das gambas espalhei-me na rua e disse que o primeiro texto teria por tema espalhar-se ao comprido. Assim foi, fizemos os deveres. Como diz a Calita, mademoiselle reuniu as tropas e aqui estamos nós a voltar aos blogues e a escrever sobre temas. 
A partir de amanhã, várias mulheres de várias geografias interiores e exteriores estarão a pensar e a escrever sobre esse tema! Outros virão em breve.
Não posso contar tudo agora. Mas trago novidades amanhã. 
Vão passando aqui. Vamos ressuscitar os blogues.

26.3.20

há sempre alguém


se os tempos fossem outros daqui a pouco ia à drogaria comprar cola.
sou cliente do meu bairro. gosto do comércio tradicional, gosto da proximidade geográfica e humana e sei que se não abrirmos a carteira a estas lojas elas acabarão por desaparecer. na maioria das vezes, o atendimento e o serviço são melhores e nem sempre as coisas são mais caras. houve sempre alguém que pode vir trazer as compras a casa, fora do tempo do covid. há sempre alguém que atende o telefone e pode vir arranjar o frigorífico ao sábado à tarde. há sempre alguém que te explica como se limpa uma cadeira antiga, estofo e madeira. há sempre alguém que te diz quais os ganchos mais adequados para pregar, em paredes que se desfazem, as tuas molduras do século passado. há sempre alguém que te lembra que os teus bolos preferidos chegaram. há sempre alguém com uma máquina que corta o pão de mafra em fatias mais finas. há sempre alguém que te diz tem cuidado (ah!) adoro isto, as pequenas atenções do quotidiano que nenhuma loja de  centro comercial tem. a verdade é que há sempre alguém do outro lado que sabe conversar e que não debita um discurso aprendido. 
quando tudo passar e ficarmos bem, como se diz agora,  vou lembrar-me disto sempre. não quero viver num lugar-fantasma. no que depender de mim, o comércio do meu bairro não desaparecerá