2.2.20
composição
nasci num quarto com uma janela virada para o parque eduardo vii. cresci ao som dos comboios. passo os dias a ouvir a buzina do elétrico e os sinos da igreja de santos. e envelheço ao som da ponte e da memória dos dias em que não íamos presos por cintos e púnhamos a cabeça de fora da janela do carro, para ver as ondas que os barcos faziam no tejo e ouvir o zumbido do tapete esburacado. tenho um fraquinho pelo termo 'tabuleiro da ponte' . imagino sempre as figuras do xadrez em batalha discreta. de vez em quando, uma peça é atirada ao rio. eu não sei jogar xadrez, mas fascina-me o silêncio que reina no jogo e a ideia daquilo que cada jogador possa estar a pensar antes de movimentar uma peça. o tabuleiro da ponte também me lembra que aquilo que pode separar também pode aproximar. o tabuleiro que tem o galão de um lado e a torrada, em pão de forma, do outro.
adoro esta cidade. sinto que pertenço a este sítio, com raízes escondidas por baixo da calçada, que vão da lapa até benfica, passando por campolide. há dias em que me esqueço disso e há dias em que uma imagem simples, como esta, mo relembra. o meu avô paterno era de alcântara. morreu no dia a seguir ao aniversário dos meus três anos. adorava saber em que casa é que ele viveu, era uma das coisas que gostava que o meu pai me tivesse mostrado.

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