
... a vida é cíclica… tão cíclica que podemos morrer exactamente no mesmo sitio onde nascemos…
venho de uma família muito pequena, apesar de ter descoberto recentemente que o meu avô z. tinha muitas irmãs que penso nunca ter conhecido… costumamos brincar e dizer que somos poucos mas bons… mas, hoje a duvida instala-se...
… era a casa antiga, no rés-do-chão, com um soalho que rangia… o corredor era imenso e lembro-me de passar muitas tardes em cima do meu triciclo vermelho para cá e para lá… chegava muito cedo à rua do quelhas, no tempo em que os avós tinham tanta disponibilidade quanto gosto em ficar em casa a cuidar dos netos. chegava de manhã, muitas vezes com a minha mãe, meio estremunhada… entrava naquela casa escura e silenciosa ainda nas manhãs de inverno. às vezes o sono deixava-me a dormir na cama da minha avó outras vezes, espevitada, corria directamente até à cozinha…. a cozinha ficava ao fundo do dito corredor, à direita, havia um degrau pequenino. de manhã encontrava já o rádio castanho, grande, aceso (estou convencida que ainda funciona). a minha avó já andava nos preparativos dos legumes para o almoço e a avo t. estava sentada na mesa a molhar o pão no café com leite. é uma cozinha de rés-do-chao antigo, as janelas ficam ao pé do tecto e havia sempre um escadote para saltar para o degrau de forma a poder estender-se a roupa ou espreitar os numerosos gatos que nasciam no quintal do outro lado. aos poucos a casa ía acordando. o padrinho, às vezes a c. e o meu tio. começava o corropio à casa de banho. eu saia para a rua com a minha avó. começavamos por comprar o pão na padaria da mercedes, subiamos a rua dos navegantes e íamos à estrela a uma mercearia onde a minha avó me comprava, em segredo, um chocolate de embalagem castanha com um desenho de uma vaca (talvez se chamasse « mimosa »). voltavamos para baixo, às vezes recuperavamos a c. na escola que ficava a meio caminho e voltavamos a casa. almoçavamos e ainda sinto o cheiro dos croquetes feitos pela avo t. ou o cheiro da açorda feita pela minha avó. comiamos na sala e viamos o que se passava na altura numa televisão a preto e branco. às vezes a minha avó saía comigo à tarde e lá subiamos até ao jardim da estrela ou visitavamos os comerciantes entre duas compras. ali toda a gente dizia bom dia. depois eu tive idade para ir para a escola ; o padrinho às vezes levava-me com ele ao rato e iamos à papelaria fernandes comprar os livros e material escolar que não encontravamos no senhor emilio, na rua do meio… mas nesses dias iamos de autocarro, no 27 que apanhavamos mesmo em frente à janela. depois as coisas começaram a tornar-se complicadas e eu deixei de ir para a minha avó. fui para uma nova escola, mais perto de casa… para a minha avó o mundo desabou nesse dia… ela ainda hoje me diz, quando recordamos « bons tempos esses, levaram-me os meus meninos »… e ela ainda não sabe que lhe levaram o menino dela…
… e esta casa da rua do quelhas foi perdendo vida… o avo z. ja tinha desaparecido quando eu tinha 3 anos, logo no dia depois de os ter feito. desapareceu a avo t., depois o padrinho e a minha avó adoeceu. o tio ficou a tomar conta dela… como pode… mas deixou de poder porque a doença apoderou-se dela e trouxe complicações… e ele ficou sozinho… queriamos dar-lhe a mão, mas ele não chegava lá, parecia que nem queria senti-la quando chegavamos a pousar a nossa sobre a dele… e foi assim que a porta ficou aberta, que a vizinhança subia e descia as escada todos os dias mas ninguém reparou… num predio com 3 andares e com uma porta por andar… haverá maior solidão do que esta ?
… e a cozinha do rádio onde ouviamos os « discos pedidos », o « quando o telefone toca », um programa em que deviamos adivinhar onde miava um gato… onde a avo t. todas as manhas molhava o pao no café com leite, onde a minha avo desde cedo preparava a comida, estendia a roupa, onde a avó t., enchia a mesa mesmo por baixo do radio, de farinha para fazer os croquetes, onde a minha avó preparava os almoços de domingo, depois de virmos do "nacional", com tanto amor, pronta a eternizar aquele momento… perdeu todo o encanto na tarde de segunda-feira…
… quero que aquele tempo seja imortal, ainda que seja apenas nas nossas memórias…
venho de uma família muito pequena, apesar de ter descoberto recentemente que o meu avô z. tinha muitas irmãs que penso nunca ter conhecido… costumamos brincar e dizer que somos poucos mas bons… mas, hoje a duvida instala-se...
… era a casa antiga, no rés-do-chão, com um soalho que rangia… o corredor era imenso e lembro-me de passar muitas tardes em cima do meu triciclo vermelho para cá e para lá… chegava muito cedo à rua do quelhas, no tempo em que os avós tinham tanta disponibilidade quanto gosto em ficar em casa a cuidar dos netos. chegava de manhã, muitas vezes com a minha mãe, meio estremunhada… entrava naquela casa escura e silenciosa ainda nas manhãs de inverno. às vezes o sono deixava-me a dormir na cama da minha avó outras vezes, espevitada, corria directamente até à cozinha…. a cozinha ficava ao fundo do dito corredor, à direita, havia um degrau pequenino. de manhã encontrava já o rádio castanho, grande, aceso (estou convencida que ainda funciona). a minha avó já andava nos preparativos dos legumes para o almoço e a avo t. estava sentada na mesa a molhar o pão no café com leite. é uma cozinha de rés-do-chao antigo, as janelas ficam ao pé do tecto e havia sempre um escadote para saltar para o degrau de forma a poder estender-se a roupa ou espreitar os numerosos gatos que nasciam no quintal do outro lado. aos poucos a casa ía acordando. o padrinho, às vezes a c. e o meu tio. começava o corropio à casa de banho. eu saia para a rua com a minha avó. começavamos por comprar o pão na padaria da mercedes, subiamos a rua dos navegantes e íamos à estrela a uma mercearia onde a minha avó me comprava, em segredo, um chocolate de embalagem castanha com um desenho de uma vaca (talvez se chamasse « mimosa »). voltavamos para baixo, às vezes recuperavamos a c. na escola que ficava a meio caminho e voltavamos a casa. almoçavamos e ainda sinto o cheiro dos croquetes feitos pela avo t. ou o cheiro da açorda feita pela minha avó. comiamos na sala e viamos o que se passava na altura numa televisão a preto e branco. às vezes a minha avó saía comigo à tarde e lá subiamos até ao jardim da estrela ou visitavamos os comerciantes entre duas compras. ali toda a gente dizia bom dia. depois eu tive idade para ir para a escola ; o padrinho às vezes levava-me com ele ao rato e iamos à papelaria fernandes comprar os livros e material escolar que não encontravamos no senhor emilio, na rua do meio… mas nesses dias iamos de autocarro, no 27 que apanhavamos mesmo em frente à janela. depois as coisas começaram a tornar-se complicadas e eu deixei de ir para a minha avó. fui para uma nova escola, mais perto de casa… para a minha avó o mundo desabou nesse dia… ela ainda hoje me diz, quando recordamos « bons tempos esses, levaram-me os meus meninos »… e ela ainda não sabe que lhe levaram o menino dela…
… e esta casa da rua do quelhas foi perdendo vida… o avo z. ja tinha desaparecido quando eu tinha 3 anos, logo no dia depois de os ter feito. desapareceu a avo t., depois o padrinho e a minha avó adoeceu. o tio ficou a tomar conta dela… como pode… mas deixou de poder porque a doença apoderou-se dela e trouxe complicações… e ele ficou sozinho… queriamos dar-lhe a mão, mas ele não chegava lá, parecia que nem queria senti-la quando chegavamos a pousar a nossa sobre a dele… e foi assim que a porta ficou aberta, que a vizinhança subia e descia as escada todos os dias mas ninguém reparou… num predio com 3 andares e com uma porta por andar… haverá maior solidão do que esta ?
… e a cozinha do rádio onde ouviamos os « discos pedidos », o « quando o telefone toca », um programa em que deviamos adivinhar onde miava um gato… onde a avo t. todas as manhas molhava o pao no café com leite, onde a minha avo desde cedo preparava a comida, estendia a roupa, onde a avó t., enchia a mesa mesmo por baixo do radio, de farinha para fazer os croquetes, onde a minha avó preparava os almoços de domingo, depois de virmos do "nacional", com tanto amor, pronta a eternizar aquele momento… perdeu todo o encanto na tarde de segunda-feira…
… quero que aquele tempo seja imortal, ainda que seja apenas nas nossas memórias…
muito bonito este post. também tenho memórias semlhantes da casa da minha avó s.
ResponderEliminareu sei que gostas destes posts "de infância" p... e também sei que tens muitas recorsações da tua avo...
ResponderEliminarde ir às lágrimas.
ResponderEliminaré um eloGIo.
flores, jota.
ainda bem que consegui transmiti-lo, gi...
ResponderEliminarobrigada!
Desde que permaneça nas nossas memórias, será imortal o tempo que aqui me trouxe imagens da minha infância.
ResponderEliminarBela narrativa.
São recordações que nos marcam para sempre. Também as tenho :)
ResponderEliminarAmiga,um grande beijinho.Memórias das boas ficam para sempre,fizeste-me voltar atrás,lembro-me da casa, lembro-me dos croquetes...
ResponderEliminarquerida monica aqueles croquetes eram famosos, se fosse hoje seria a "croquetereia florentina" ;) também me lembro da casa da tua avo na rua de s. bento... umas vezes vinhas tu comigo, outras ia eu contigo, nesses tempos em que eramos inseparaveis! ;)
ResponderEliminarOlaaaaaaaaaaaaaaaá
ResponderEliminarja paracem duas velhas a falar dos croquetes.
Joana o Claudio anda a portar-se mal, ainda não tenho as fotos.
Beijos
ivone queridaaaaaa, agora também andas por aqui? ;) o claudio ja tem algumas novidades, mas ainda faltam coisas!
ResponderEliminarem breve envio mail!
bjs